Ao contrário do que afirmam fabricantes, produtos feitos a partir de ácido poliláctico não se degradam assim tão facilmente. Estudo revela que o material persiste no mar por, pelo menos, 14 meses.

Quem compra toalhitas, têxteis ou outros objectos em plástico compostável tende a ficar com a consciência leve em relação ao destino destes resíduos. Contudo, ao contrário do que afirmam muitos fabricantes, produtos feitos a partir de ácido poliláctico (PLA, na sigla em inglês) não se degradam assim tão facilmente. Um estudo científico revela agora que o PLA persiste inalterado na água do mar por, pelo menos, 14 meses.

“O ácido poliláctico não se degrada em condições normais, mesmo sendo promovido como ‘biodegradável’ por algumas indústrias”, explicou ao PÚBLICO a cientista Sarah-Jeanne Royer, primeira autora do artigo publicado esta quarta-feira na revista científica Plos One.

Intitulado Não Tão Biodegradável Como Isso: Ácido poliláctico e tecidos de mistura de celulose/plástico não apresentam biodegradação rápida em águas marinhas, o artigo científico sublinha a importância de diferenciarmos materiais têxteis que trazemos para casa.

Há uns que se degradam facilmente em ambientes naturais (é o caso dos têxteis à base de celulose). Mas há outros que continuam quase intactos nessas condições, devendo ser compostados em contexto industrial, sob condições controladas.

“O nosso estudo mostra que existem problemas relacionados com a terminologia e com a forma como estes materiais estão a ser promovidos. Os consumidores devem estar mais bem informados não só acerca dos produtos que possuem, mas também sobre a composição e o ciclo de vida dos materiais que compram”, alerta Sarah-Jeanne Royer, uma investigadora que se dedica ao estudo da poluição marinha no instituto oceanográfico da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.

O “bioplástico” que não se degrada

O PLA, muitas vezes chamado “bioplástico”, é um material produzido com a ajuda de bactérias através do processo de fermentação do milho ou de outros vegetais ricos em amido. Este material com origem vegetal tem sido promovido como uma alternativa “biodegradável” aos hoje indesejados plásticos feitos a partir do petróleo, que se acumulam e persistem no oceano. Estes resíduos viajam à boleia das correntes e já estão literalmente por toda a parte. Nem o Árctico passou incólume à maré de plástico.

O plástico produzido a partir do combustível fóssil é um material tão estável que, mesmo que se fragmente, continua a ser uma fonte de poluição. Garrafas plásticas atiradas ao mar, por exemplo, decompõem-se lentamente em pedaços cada vez menores, passando da escala “macro” à “micro”, até se transformarem em nanoplásticos. Estamos a falar de algo tão minúsculo que pode mesmo circular na nossa corrente sanguínea.

Para tentar mitigar o grave problema dos microplásticos, novos materiais têm sido desenvolvidos para substituir aqueles que são feitos a partir do petróleo. O objectivo é não só reduzir o uso de um combustível fóssil como matéria-prima, mas também garantir que os resíduos gerados por tais produtos sejam mais amigos do ambiente. É nesse contexto que o ácido poliláctico se tornou popular, sendo muitas vezes percepcionado como uma matéria de origem vegetal e que, por isso, se degrada rápida e facilmente.

“O PLA decompõe-se novamente em ácido láctico nas altas temperaturas encontradas em grandes pilhas de compostagem; no entanto, não o faz de forma confiável ou rápida em condições mais frias”, refere o comunicado de imprensa divulgado pela revista científica Plos One.

Testar materiais no mar (e não só)

Os cientistas mergulharam amostras de diferentes materiais nas águas salgadas da costa em La Jolla, na Califórnia. Têxteis produzidos a partir de ácido poliláctico, petróleo, celulose e ainda uma mistura à base de celulose/petróleo foram acondicionados em diferentes jaulas que, uma vez fechadas, eram submersas.

Todas as semanas, os investigadores içavam os recipientes metálicos e examinavam os materiais para compreender melhor o processo de degradação de cada um deles. Após a análise, as jaulas eram devolvidas ao mar. Além dos testes feitos em ambiente marinho, os materiais também foram avaliados em laboratório.

“Cada um dos materiais têxteis que usamos tem uma impressão digital e composição próprias; entender o processo de degradação de cada um deles pode ser complexo. Felizmente, colaboramos com Francesco Greco, co-autor deste estudo especializado em espectroscopia Raman [que consiste numa medição óptica da composição química do material]. Ele ajudou-nos a entender a degradação ao longo do tempo de cada tipo de material”, refere a cientista numa resposta enviada por email.

Os autores do estudo concluíram que o material à base de celulose se degradou rapidamente, em menos de um mês. Análises químicas de laboratório confirmaram que a celulose havia sido amplamente decomposta por processos biológicos por meio da produção de gás carbónico, e não por simples desgaste causado pela movimentação das águas.

Já os têxteis à base de petróleo e de ácido poliláctico, assim como os de matéria mista, não apresentaram sinais significativos de degradação durante os 14 meses em que foram analisados. Os resultados indicam que a compostabilidade não implica necessariamente degradação ambiental – e é por isso que dizer que plásticos compostáveis ​​são biodegradáveis ​​é “enganoso”.

“O nosso artigo mostra que muitos testes paralelos são necessários para entender o destino desses materiais no ambiente. Cientificamente, as várias abordagens metodológicas que usamos para este estudo mostram a importância de responder à principal questão científica usando diferentes métodos e estudando o problema sob diferentes ângulos. Testar a degradabilidade dos materiais apenas na água do mar natural não é suficiente e, portanto, complementamos o estudo com algumas análises em sistema fechado”, afirma Sarah-Jeanne Royer.

Face aos resultados do estudo, a investigadora sublinha a importância de os consumidores fazerem escolhas mais cuidadosas, adquirindo apenas os produtos necessários e evitando ao máximo produtos de utilização única. A aposta em artigos de segunda mão e a partilha de objectos dentro da mesma comunidade também são encorajadas.

“Os consumidores devem procurar consumir menos, usando materiais sustentáveis ​​e certificando-se de que usam instalações de descarte adequadas quando o produto chegar ao fim de sua vida útil”, recomenda Sarah-Jeanne Royer.

Notícia de Público, 25 de maio